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A QUESTÃO DOS ROYALTIES: breves reflexões sobre o Sistema Tributário Brasileiro 23/10/2011

Posted by linomartins in Auditoria.
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 O imposto é, por sua natureza, o meio ordinário de cobertura das despesas que o Estado tem de realizar para satisfazer as necessidades coletivas, é necessariamente, na teoria e no reconhecimento das necessidades coletivas que se tem de encontrar toda a justificação para a própria legitimidade do imposto, para a medida em que é estabelecido em cada caso e para a sua imputação aos destinatários do respectivo encargo.

Estas reflexões vem a propósito da questão dos royalties que nos termos do artigo 20,  § 1º da Constituição de 1988 estão assegurados, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.

 Na antiguidade, royalties eram os valores pagos por terceiros ao rei ou nobre, como compensação pela extração de recursos naturais existentes em suas terras, como madeira, água, recursos minerais ou outros recursos naturais, incluindo, muitas vezes, a caça e pesca, ou ainda, pelo uso de bens de propriedade do rei, como pontes ou moinhos.

Na atualidade, royaltie é o termo utilizado para designar a importância paga ao detentor ou proprietário ou um território, recurso natural, produto, marca, patente de produto, processo de produção, ou obra original, pelos direitos de exploração, uso, distribuição ou comercialização do referido produto ou tecnologia.

 Atualmente está em discussão a mudança no sistema de distribuição dos royalties do petróleo no Brasil, com a votação de uma nova lei ordinária para regulamentar esta questão, conforme previsto pela Constituição. Segundo alguns Juristas consultados a Carta delega ao legislador ordinário tão somente a regulamentação, não sendo possível, em sede de lei ordinária infraconstitucional, alterar a essência compensatória atribuída aos royalties, destinados aos entes federativos diretamente afetados pela atividade exploratória.

 Assim, as propostas das emendas Ibsen e Simon são flagrantemente inconstitucionais. Se quiserem alterar o sistema de distribuição, a via adequada seria a emenda constitucional para alterar o disposto no parágrafo primeiro do artigo 20.  Entretanto, tudo leva a crer que o assunto será levado ao julgamento do Supremo Tribunal Federal.

 O assunto merece dois tipos de reflexão:

A primeira seria os Tribunais de Contas dos Estados e Municipios, numa época em que tanto se fala em auditoria das receitas, procurarem conhecer todos os encargos de custeio que vem sendo pagos com recursos dos royalties que, não sendo tributos, constituem receita extraordinária e, consequentemente, não deveriam, salvo melhor juizo, ser utilizados para o pagamento indiscriminado de despesas correntes pelo simples fato de se referirem a recursos finitos.

A segunda constitui muito mais uma provocação para os estudiosos e academicos que deveriam pesquisar melhor o grau de comprometimento da nossa federação em decorrencia de fatos históricos que mostram, desde sempre,  a existencia, ainda que camuflada, de uma guerra fiscal entre Estados, Municipios e União, bem como Distrito Federal.

Temos observado a formulação de várias soluções para o impasse e, entre elas, como sempre ocorre, a mágica solução de retirar da parcela da União a perda que Estados e Municipios enfrentarão no seu Caixa e o contrário também é absolutamente verdadeiro.

A questão é que, a prevalecer essa hipotese, a União, certamente, adotará medidas tributárias futuras que visem compensar essa distribuição enviesada do que, até prova em contrário, lhe pertence como, aliás, vem fazendo desde sempre, em especial a partir da Constituição de 1988.

Para constatar a submissão de Estados e Municipios aos desejos da União basta fazermos um retrospecto histórico:

A partir da Proclamação da Independência, em 1822, o Brasil foi dividido em províncias que não tinham autonomia política e constituíam simples subdivisões administrativas, pois o regime político do Império não era federativo, mas unitário. As províncias não tinham rendas próprias, aparecendo no orçamento do império simplesmente com dotação de verbas para as despesas dos seus serviços e, conseqüentemente, a receita era centralizada na Corte.

Diante de diversas pressões favoráveis à autonomia política das províncias eis que em 1834, por meio de Ato Adicional, a Constituição Imperial de 1824 foi reformulada dando autonomia às províncias e, ainda, autorizando que as mesmas poderiam criar fontes próprias de receita.

Pela lei 99, de 31 de outubro de 1835, o governo central passou a ter competência reservada para certos tributos, enquanto as Províncias poderiam criar seus próprios tributos e a definição dos que pertenceriam aos respectivos Municípios.

Com a proclamação da República em 1889 as províncias foram elevadas à condição de Estados. Entretanto a Constituição de 24 de fevereiro de 1891 não melhorou o sistema de discriminação de rendas instituído pela Lei  99, de 1835.  As principais criticas foram as seguintes: (a) permitir que tributos iguais fossem criados simultaneamente pela União, pelos Estados e pelos Municípios; e (b) deixar os tributos municipais inteiramente a critério dos respectivos Estados.

Em 1892 foi estabelecida a cobrança do imposto sobre o fumo, dando inicio à tributação dos fluxos internos de produtos. Antes do final do século a tributação foi estendida a outros produtos, estabelecendo-se, desta forma, o imposto sobre consumo.

Em 1922 foi criado o Imposto sobre Vendas de Mercadorias, depois denominado Imposto de Vendas e Consignações e transferido para a esfera estadual passando a ser uma fonte importante de recursos até a Emenda constitucional 18/1965 quando foi extinto e substituido pelo ICM.

A Constituição de 16 de julho de 1934 corrigiu os dois defeitos tributários da constituição anterior e da qual já tratamos, ou seja: (a) permitir que tributos iguais fossem criados simultaneamente pela União, Estados e Municípios; (ii) deixar os tributos dos municípios inteiramente a critério dos respectivos Estados. Tal fato deu inicio ao conceito de bitributação, que deveria evitar a duplicidade de impostos idênticos entre os entes da federação.

Naquela mesma época diversas leis estabeleceram alterações nas legislações estaduais e municipais, como por exemplo:

(a) os estados foram dotados de competência privativa para decretar o imposto sobre Vendas e Consignações (limitada a alíquota máxima de 10%), ao mesmo tempo em que se proibia a cobrança do imposto sobre as exportações em transações interestaduais.

(b) os municípios passaram a ter competência privativa para decretar alguns tributos, tais como: Imposto de Licenças, Imposto Predial e Territorial Urbanos, Imposto sobre Diversões Públicas e Imposto Cedular que incidia sobre a renda de imóveis rurais e taxas de serviços municipais.

 A Constituição de 10 de novembro de 1937, por sua vez, introduziu modificações quanto aos tributos atribuídos a cada uma das entidades federadas: os estados perderam a competência privativa de tributar o consumo dos combustíveis para motores a explosão e os municípios perderam a competência para tributar a renda das propriedades rurais.

Em 1940, a Lei Constitucional n° 3, de 18 de setembro, proibiu aos estados o lançamento de tributos sobre o carvão mineral nacional e sobre combustíveis e lubrificantes líquidos e, logo em seguida a Lei Constitucional n° 4, de 20 de setembro de 1940 incluiu, dentro da competência privativa da União, o imposto único sobre a produção, o comércio, a distribuição, o consumo, a importação e a exportação de carvão mineral e dos combustíveis e lubrificantes líquidos de qualquer origem.

Na Constituição de 18 de setembro de 1946 tivemos o aumento da dotação dos recursos municipais. O Imposto sobre o selo Municipal e o Imposto de Industriais e Profissões passaram a compor a receita municipal. Os municípios, exceto as capitais, também começaram a receber parte da arrecadação do Imposto sobre a Renda e de 30% do excesso da arrecadação estadual. O Imposto sobre a Exportação, e os impostos únicos sobre energia elétrica, combustíveis e lubrificantes minerais, eram de competência da União.

A intenção de reforçar o caixa dos municípios foi prejudicada, principalmente, pelas seguintes causas:

(a) grande parte dos estados jamais transferiu para os municípios os 30% do excesso de arrecadação;

(b) sendo as quotas do Imposto sobre a Renda (IR) distribuídas igualmente entre os municípios, induziram a criação de novos Municipios, passando de 1.574 para 4.025, no período de 1938 a 1970, ou seja um aumento de 155 %

O Ato complementar n  40/68 reduziu de 10% para 5%, o produto da arrecadação do Imposto sobre a Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados destinados ao Fundo de Participação dos Estados e dos Municípios (FPE e FPM), criados na CF de 1967. Criou, ainda, o Fundo Especial, ao qual era destinado 2% do produto da arrecadação daqueles tributos e cuja distribuição e aplicação dos recursos eram inteiramente decididas pelo Poder Central.

 Para reforçar suas fontes de financiamento, principalmente, a intensa concessão de incentivos fiscais, o Governo Federal criou a Contribuição para o Programa de Integração Social – PIS, reiniciando a cumutatividade tributária. Determinou, ainda, que a parcela do valor dos incentivos concedidos fosse direcionada para o Programa de Integração Nacional – PIN e para o Programa de Redistribuição de Terras e de Estimulo à Agropecuária do Norte e Nordeste – PROTERRA, reduzindo, consequentemente, o valor dos incentivos concedidos através do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF).

Emendas Constitucionais n° 5/75 e 17/80 elevaram progressivamente os percentuais do produto da arrecadação do IPI e do IR destinados aos Fundos de Participação que, de 5% em 1975, atingiram 10,5 em 1982.

Em 1984 foi criado mais um tributo cumulativo, a Contribuição para o Fundo de Financiamento Social – FINSOCIAL.

A partir de 1984 houve um processo de descentralização de recursos com a Emenda Constitucional n°  23/83 que elevou os percentuais do FPE e do FPM para 12,5% e 13,5%, respectivamente, e para 14% e 16% a partir de 1985

Com a Constituição de 1988 uma reforma tributária foi embutida mediante ampliação do grau de autonomia dos Estados e Municípios, conforme a seguir:

(a) atribuiu aos Estados a competência para fixar as alíquotas do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre a Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de comunicação – ICMS, sucessor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias – ICM;

(b) eliminou a faculdade, anteriormente atribuída à União, de conceder isenções de impostos estaduais e municipais;

© vedou a imposição de condições ou restrições à entre e ao emprego de recursos distribuídos àquelas unidades.

Os percentuais do produto da arrecadação do IR e do IPI destinados ao FPE e ao FPM foram, progressivamente, crescentes a partir de 1989, alcançando, a partir de 1993, 21,5% e 22,5%, respectivamente.

Foi destinado, também, 10% do IPI para os Estados exportadores, repartido proporcionalmente às respectivas exportações de produtos manufaturados. Do montante, 25% são entregues pelos estados aos seus respectivos municípios, obedecendo os critérios determinados no artigo 158, parágrafo único, I e II da CF.

O Fundo Especial foi extinto. Novo fundo foi criado, destinado ao Financiamento do Setor Produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, operado através das instituições financeiras federais de caráter regional, cujo montante é de 3% do IR e IPI.

Nossa observação é que, principalmente a partir da Constituição de 1988, a União vem perdendo recursos por força dos seguintes fatos:

(a) do aumento do percentual de transferência aos estados e municípios; e,

(b) da eliminação de diversos impostos, cujas bases, principalmente dos impostos únicos sobre combustíveis, energia elétrica e minerais, foram incorporados ao ICM para formar o campo de incidência do ICMS

Como forma de compensar tais perdas o Governo Federal passou a adotar sucessivas medidas para compensar suas perdas advindas do acréscimo nas transferências aos estados e municípios. Novos tributos foram criados e elevadas as alíquotas dos já existentes, em particular daqueles não sujeitos à partilha com estados e municípios.

Alguns exemplos:

(a) criação da Contribuição sobre o Lucro Liquido das Empresas – CSLL (1989)

(b) o aumento das alíquotas do Confins e do IOF – Imposto sobre Operações Financeiras (1990).

© foi criado o Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira – IPMF, mais um imposto cumulativo (1993( e mais tarde denominado Contribuição Provisória de Movimentação Financeira – CPMF (extinto em dezembro de 2007)

Os fatos acima  revelam que ao longo da história do sistema tributário brasileiro as unidades da federação sempre buscam uma forma de compensação para suas perdas com preferência para o surrupio de recursos dos outros entes da federação.

No caso da perda dos royalties verificou-se ao longo do tempo uma pressão para descaracterizar essa receita como receita extraordinária passando-a para a categoria de receita ordinária. Tal pressão permitiu que os Entes da federação passem a elaborar seu orçamento sem uma vinculação de tais receitas aos investimentos a serem realizados deixando de atender a regra o equilíbrio fiscal.

 Independentemente da auditoria que recomendamos pode-se verificar, desde logo, que  sofrerão mais os Estados e Municípios que apropriaram a receita orçamentária dos recursos do royalties sem qualquer reserva ou distinção e, com ela, efetuaram pagamento de despesas fixas de custeio e sofrerão menos os que realizaram gastos em despesas de capital com a característica de serem descontinuadas a qualquer momento.

 Estarão em melhor situação os que cumpriram a lição clássica de Aliomar Baleeiro (Uma Introdução à  ciência das finanças,14ª Ed, Rio de janeiro: Forense, 1990): “São receitas extraordinárias, sob este ponto de vista, os impostos  somente decretados em circunstâncias anormais, como os de caráter transitório, a serem criados em tempo de guerra”…; as doações e legados com encargos ou sem eles; os proventos auferidos por efeitos das disposições legais relativas à prescrição, às heranças jacentes, bens vacantes e de evento; as indenizações ou reparações de guerra; etc.