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AS PROVAS x ARQUIVAMENTO DAS DENUNCIAS NO SENADO 11/08/2009

Posted by linomartins in Anotações.
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Ao ler a noticia de que o titular do Conselho de Ética, Senador Paulo Duque, mandou arquivar as denuncias feitas contra o Presidente do Senado, por estarem apoiadas em noticias de jornais não pude deixar de  ficar satisfeito com a decisão do representante do Rio de Janeiro, pois qualquer acusação precisa estar apoiada em evidencias e, a ser verdadeiro o argumento do Senador Paulo Duque, se elas existem não estão no processo. Neste caso cabe lembrar o brocardo latino quod non est in actis non est in mundo” (o que não está nos autos não está no mundo).

 No lugar da indignação de alguns seria recomendável sugerir uma reflexão sobre dois aspectos:

 a)      A questão das provas em uma auditoria investigativa

b)      A necessidade de ampliar a formação em jornalismo investigativo.

 

A questão das provas em uma auditoria investigativa

 Com relação às provas em uma auditoria é necessário levar em conta que uma prova representa um auxílio para a descoberta de ações que possam produzir alteração da realidade. Assim, qualquer investigação depende da forma como as provas são recolhidas, preservadas e identificadas. Nenhuma prova terá utilidade se não satisfizer os requisitos especificados segundo a natureza e o resultado que o investigador deseja alcançar, conforme o seguinte quadro:

 

Quanto à natureza – Provas documentais- Provas reais

– Provas Verbais ou testemunhais

Quanto ao resultado – Provas Diretas- Provas indiciárias ou circunstanciais

– Provas indiretas

 

Assim, temos:

 (i)                 Provas documentais

 A prova documental é a prova apresentada por escrito e suportada por documentos, registros e quaisquer instrumentos escritos públicos ou privados, sendo documentos públicos os expedidos por autoridade pública no exercício de suas atribuições legais e que tenham competência para conferir a presunção de verdade e autenticidade. Documentos privados são os elaborados pelas partes sem a interferência de qualquer agente público.

 Para fins probatórios equiparam-se ao documento público original a cópia autenticada[1], a certidão e traslado fornecidos por escrivão ou oficial público[2], sendo que o telegrama, e-mail ou qualquer outro meio de transmissão de dados pode ser utilizado em Juízo como prova documental, desde que o documento original seja assinado pelo subscritor.

 (ii)               Provas reais

As provas reais são as obtidas com base em fatos verdadeiros e são as que melhor atendem àqueles que precisam fundamentar suas decisões. As provas reais não admitem suposições e, por isso,  são as que explicam clara e sucintamente as respostas às questões básicas em relação a qualquer fato, ou seja, permitem que o investigador responda de modo insofismável às seis questões básicas de uma investigação: “Quem? O que? Onde? Quando? Por quê?  e  Como?”

Assim, é possível que pelas provas reais o investigador identifique que a remuneração de uma pessoa está subavaliada em face da verificação da movimentação bancária, das despesas reais assumidas ou de sinais exteriores de riqueza decorrentes do exame do movimento nos cartões de crédito. O inventário físico dos estoques, a contagem de caixa e o rastreamento da propriedade de bens imóveis junto aos cartórios são exemplos de provas reais que uma investigação poderá confirmar.

(iii)             Provas verbais ou  testemunhais

As provas verbais ou testemunhais são classificadas como provas secundárias e antes de serem aceitas é preciso que o investigador verifique uma série de evidências que não só o satisfaçam, como apontem para a existência de fatos correlatos que corroborem a descrição efetuada pela testemunha.

No caso de investigação financeira, a prova verbal ou testemunhal decorre de uma entrevista, quando a investigação for extra judicial ou de um depoimento, quando se tratar de processo judicial e deve ser efetuada com pessoa que de algum modo conhece o fato e pode contribuir para a solução do mesmo.

Entretanto, tanto na entrevista como no depoimento é preciso atentar para o fato são impedidas as pessoas que sejam partes na causa, que intervenham em nome de uma das partes, como o tutor na causa do menor, ou que tenham vinculo conjugal, de parentesco ou de afinidade com alguma das partes. E, finalmente, são suspeitas as testemunhas que já tenham sido condenadas por falso testemunho, as que, por seus costumes, não são dignas de fé, os amigos intimos ou inimigos da parte e as que tiverem interesse no litígio[3].

(iv)              Provas diretas

A prova direta é a que, uma vez aceita, comprova a existência do fato principal sem qualquer inferência ou suposição. Na prova direta os fatos sob investigação são confirmados por todos os que dele tomaram conhecimento. Assim, por exemplo, no caso de um incêndio criminoso em que a testemunha tenha visto o acusado atear fogo ou, ainda, um acordo feito na presença de uma testemunha.

Nos casos de apuração de fraude e desfalque é preciso levar em conta que a identificação e descoberta de provas diretas são muito raras face a uma possível manipulação dos registros feita pelo fraudador por meio de lançamentos complementares, contrapartidas anormais ou mesmo conluio com terceiros.

(v)                Provas indiciárias ou circunstanciais

A prova indiciária se insere no campo das provas como um elemento fundamental para demonstrar que ocorreu ou deixou de ocorrer determinado fato e compreende toda e qualquer circunstância conhecida ou provada, a partir da qual o investigador obtém elementos fundamentadores para a conclusão do seu trabalho.

A prova indiciária ou circunstancial envolve a prova de diversos fatos materiais que, considerados em sua relação com os demais fatos, estabelecem a existência do fato principal. Pode, em alguns casos, ser o único tipo de evidência disponível para provar certos elementos criminais como malícia, intenção ou motivo que exista apenas na mente do perpetrador da fraude. Na investigação de crimes financeiros, como é o caso de lavagem de dinheiro, as provas circunstanciais constituem um dos principais meios de evidenciação. Nesse tipo de crime, um dos objetivos principais do criminoso é a ocultação da própria ocorrência do crime. A prova indiciária também é utilizada na apuração de crimes tributários em decorrência de sinais exteriores de riqueza em que os gastos pessoais estejam muito acima do valor da renda declarada.

Durante a realização da investigação financeira é sempre possível identificar indícios e presunções que devem ser analisados segundo os requisitos consagrados. Conforme lição de SILVA apud FASSIONI[4] (2003:155), os indícios podem ser perfeitamente utilizados em trabalhos de auditoria a partir da certeza que o auditor deve ter sobre o fato em relação a documentos e testemunhos. A existência de relação de causalidade entre o fato indicador e o indicado parte da premissa de que qualquer movimentação de um elemento do patrimônio gera uma ou mais movimentações em outro elemento desse mesmo patrimônio.

Quando observados de forma sistemática e objetiva os indícios permitem a montagem do quadro evidenciador da probabilidade da ocorrência de fraude.

A necessidade de ampliar a formação em jornalismo investigativo.

No que se refere à  necessidade de ampliar a formação em jornalismo investigativo acredita-se que a utilização desses conceitos poderiam sanar a deficiencia comprobatória considerando trata-se de uma modalidade especializada de jornalismo, calcada em características específicas, e se diferencia da rotina habitual das redações pelos seguintes aspectos:

  • a investigação minuciosa dos fatos, pelo tempo que for necessário, até elucidar todos os meandros, possíveis ângulos, pontos de vista e personagens envolvidos em determinado assunto;
  • a disponibilidade de recursos específicos: tempo, dinheiro, paciência, talento e sorte;
  • a precisão das informações (o jornalismo investigativo é também conhecido como jornalismo de precisão), implicando a exatidão dos termos utilizados, e a ausência de distorções ou citações fora de contexto.

Com esse propósito foi criada, por um grupo de jornalistas brasileiros, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (http://www.abraji.org.br/?id=1) cuja iniciativa nasceu no seminário ‘Jornalismo Investigativo: Ética, Técnicas e Perigos’. O evento foi organizado pelo Centro Knight de Jornalismo nas Américas, da Universidade do Texas, dirigido pelo jornalista brasileiro Rosental Calmon Alves.

No site da Associação podem ser encontrados diversos cursos relativos ao tema e é bom lembrar que existe, pelo menos, um curso MBA em Jornalismo Investigativo e Realidade Brasileira, na Fundação Getulio Vargas.

Sobre as noticias em relação ao Senado (não importa de quem é a crise)  este blog não pode deixar de fazer referencia ao pressuposto enunciado por Albert Camus para escrever “A Queda”:

Quem não tem caráter, tem um método.

É ainda Camus que nos traz essa pérola que deve ser lembrada em relação a essa crise: “O que é, com efeito, o homem absurdo?  Aquele que, sem o negar, nada faz pelo eterno”.


[1] Art. 24, Lei 10.522/2002

[2] Art. 365, do Código de Processo Civil – Lei n° 5.869, de  11 de janeiro de 1973

[3]  Código de Processo Civil,art. 405, §§ 1°, 2° e 3°

[4] Silva, Eduardo Araújo da. Crime organizado: procedimento probatório. S. Paulo: Atlas, 2003.

Comentários

linomartins - 12/08/2009

Prezado Jackson
Obrigado pelo seu comentário.

Lino Martins

1. jackson vasconcelos - 12/08/2009

Professor Lino, eu leitor assíduo, cada vez mais apaixonado pelas teses e, no presente caso, pelas aulas. Vc é um sábio dedicado. Parabéns. Os jornalistas que atuam nas denúncias deveriam aprender as lições que vc oferece.


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