Contabilidade eleitoral x Transparência eleitoral: um pouco de teoria 19/01/2010
Posted by linomartins in Anotações.trackback
Toda a eleição é sempre a mesma coisa. São as doações ocultas; o caixa dois; as manobras contábeis; as sobras de campanha etc. etc. etc.
Pelo que se divulga, até parece que os Partidos não têm uma contabilidade que adote os princípios contábeis e as normas técnicas editadas pelo Conselho Federal de Contabilidade. Se for isto é só o Tribunal Superior Eleitoral determinar que tais princípios e normas técnicas sejam seguidos ou as manobras contábeis estariam extintas ou quando ocorrerem seriam adequadamente evidenciadas.
Desde o velho frei Luca Pacioli que vigora em todos os recantos do planeta a regra de que “a todo débito corresponde um crédito de igual valor” e, neste sentido, uma contabilidade regular tem obrigatoriamente que evidenciar claramente, de onde o dinheiro veio (doadores) e para onde o dinheiro foi (candidatos ou despesas partidárias) constituindo a essência da Contabilidade, enquanto ciência que estuda os movimentos do Patrimônio de qualquer entidade.
Pelo que se verifica das noticias, a preocupação é que os Partidos utilizam o sistema de caixa único que, aliás, é utilizado pela própria União e, acredita-se, pelo próprio Tribunal Eleitoral, segundo o qual os recursos ingressam com a identificação dos respectivos doadores e são distribuídos a seus candidatos de forma indiscriminada o que impede o estabelecimento da vinculação entre o doador e o candidato.
Tal regra, por sua vez, esta em consonância com o principio da unidade de tesouraria ou do caixa único utilizada pelos órgãos públicos e as instituições sem finalidade lucrativa.
Por sua vez, se o interesse é conhecer o vinculo entre o doador e o candidato, ainda que os recursos sejam centralizados na contabilidade partidária, bastaria incluir nas regras da contabilidade partidária-eleitoral a adoção de uma das seguintes providencias:
a) Criar na contabilidade dos partidos dois grupos de contas (de Receita e Despesa):
- Doações vinculadas (especificamente com a identificação do candidato)
- Doações livres (destinadas às despesas gerais da entidade partidária)
b) Vedar completamente essa intermediação e somente permitir doações diretamente aos candidatos.
Quanto ao argumento de que tal “manobra contábil” atenta contra o direito do eleitor identificar o tipo de apoio financeiro recebido pelo candidato ou dificulta a investigação de possíveis favorecimentos administrativos a empresas doadoras, seria interessante refletir se isso não corresponde ao fortalecimento dos partidos (que devem ser rigorosamente fiscalizados e auditados) ensejando, a longo prazo, a correção da distorção atual do velho e carcomido culto da personalidade.
A hipótese de querer saber sobre possíveis favorecimentos administrativos em relação aos doadores parece absurda, vez que a função do eleito é exatamente procurar a melhor forma de distribuir os serviços públicos para a comunidade, seja no âmbito do Executivo ou do Legislativo, a partir das pressões dos mais diversos setores da sociedade, sejam doadores ou não. De modo que querer saber se aquele que pressiona e é atendido corresponde a um doador representa, a nosso juízo, um exagero além de contrariar alguns fundamentos teóricos que tem sido objeto de estudo em todo mundo.
Estudos de MENEGHETI[1] (1992) mostram que a literatura das finanças públicas revela a existência de duas vertentes teóricas. A primeira parte do pressuposto de que a alocação dos serviços públicos entre as comunidades não é usualmente feita por puro acaso, sem seguir regras gerais. Essa vertente, defendida por Shoup (1989), avalia teoricamente as regras alternativas para a distribuição dos serviços públicos urbanos. O ponto de partida, entretanto, parece ser a distinção conceituai de “output” e “input” em termos de serviços públicos, pois a literatura norte-americana desenvolve um amplo debate sobre esses conceitos.
Há, ainda, um último conjunto de regras — que Shoup classifica como outras regras de alocação — que compreende, pelo menos, oito evidências reveladas pela pesquisa estatística nos EUA. Algumas delas são: discriminação racial e de classe de renda, favoritismo da elite, decisões burocráticas, reclamações e pedidos, preferência pelos bairros que pagam mais impostos, etc.
A outra vertente teórica questiona seriamente se os tomadores de decisão realmente aplicam regras. Hero (1988), por exemplo, rejeita que a distribuição dos serviços públicos possa estar ligada a alguma regra de alocação. Critica a teoria de Shoup no sentido de ser pouco relevante descobrir por que um determinado serviço público está sendo mais ofertado em um bairro do que em outro. Acrescenta que o conveniente seria verificar por que alguns serviços são realizados e outros não. Argumenta, também, que a literatura dos serviços públicos urbanos implicitamente sugere uma compreensão falsa da realidade, transformando os cidadãos em meros consumidores.
Portanto, da forma como o assunto vem sendo tratado parece que o desejado é a geração de noticias constrangedoras nesta ou na próxima eleição e, principalmente, convencer aos que não são usuários do serviço prestado pelo Estado que o mesmo não funciona.
[1] NETO, Alfredo Meneghetti A DISTRIBUIÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS:TEORIAS E EVIDÊNCIAS http://revistas.fee.tche.br/index.php/indicadores/article/view/693/937 acesso 20/01/2010
Comentários
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Prezado Marcos
Obrigado por seu comentário. Este é o problema as ditas “autoridades” eleitorais tentam culpar a contabilidade – segundo o noticiário – pela incompetência de descobrir os ilícitos praticados. O que o blogo mostra é ser perfeitamente possível com base na premissa de que “a todo débito sem contrapõem um crédito de igual valor” identificar de onde o dinheiro veio e para onde o dinheiro foi.
Tudo o que estiver, como você diz, por fora das demonstrações contábeis não pode ser culpa da contabilidade mas sim falta de competência ou de conhecimentos técnicos de investigação que permitam a sua descoberta. Quando os políticos afirmarem tratar-se de recursos “não contabilizados” isto deveria representar um desafio tanto para os Tribunais Eleitorais, investigadores e Ministério Público.
O problema é que muitas pessoas ainda acham que nota fria é a que está dentro de um congelador, nota calçada é a que usa sandálias havainas, nota voadora a que é transportada de avião…. e escondem a sua incompetência investigativa na tentativa considerar o sistema contábil como uma panacéia que solucionaria todas as questões.
O nosso comentário sucinto tenta mostrar até onde o sistema contábil pode ser responsabilizado pelos registros.
Lino Martins
Bem, eu não conheço nada de contabilidade eleitoral nem as regras para prestação de contas, mas acho que não há contabilidade que dê conta de coisas como: Uma empresa que tenha se beneficiado de um contrato superfaturado ou que tenha a intenção de vir a ser no futuro, adquire material de campanha e passa aos responsáveis pela campanha do candidato, ou mesmo passa dinheiro a estes responsáveis. Afinal, é disso que se trata, corrupção… Afinal, como gostam de dizer os políticos na maior cara de pau e na certeza da impunidade, são “recursos não contabilizados…”, bem, se são não contabilizados não tem como a contabilidade evidenciar, por melhor que seja…
Abraços