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A CISÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO: ou mais do mesmo…… 06/02/2010

Posted by linomartins in Anotações.
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Independente da questão da constitucionalidade do Projeto de Emenda Constitucional que pretende retirar do Tribunal de Contas Estadual do Rio de Janeiro a competência para fiscalizar as contas dos Municípios este blog apresenta algumas despretensiosas considerações sobre o tema, principalmente, para reflexão das lideranças dos funcionários representantes do denominado corpo instrutivo.

A solução dada pela Assembléia Legislativa esta dentro da lógica sempre encontrada no âmbito do setor público e que faz lembrar a historia em que o marido ou a esposa, ao primeiro sinal de traição do parceiro, resolve o problema retirando o sofá da sala.

Infelizmente, ainda encontramos no setor público muitos dirigentes que acreditam na medicina tradicional como solução dos problemas. Lançam a culpa sobre os dirigentes ou sobre os burocratas que justa ou injustamente desejam “enquadrar”. Queixam-se da fraude, do desperdício, do abuso de poder e do nepotismo. Como medidas corretivas acabam por instituir algum órgão, como é o caso, na tentativa de ampliar as formas de fiscalização da burocracia na ilusória pretensão de prevenir esses males. Na prática o que se vê é que a cura torna-se indistinguível da doença, pois muitas vezes o problema não decorre da incompetência ou da má fé das pessoas, mas de uma sufocante burocracite e regulamentarite que asfixiam qualquer vislumbre de criatividade. Mas este é assunto não incluido na pauta das preocupações. 

Não se oferece um copo de água a um afogado.

Com a criação do novo órgão seus dirigentes, certamente terão reputação ilibada, como manda a Constituição, e terão mais de 35 anos, mas lamentavelmente continuarão com os mesmos problemas e não será surpresa se daqui a alguns anos também estejam  sufocados por denuncias, irregularidades ou ilegalidades, principalmente estas últimas.

A leitura atenta da PEC revela o propósito bem intencionado de reduzir o poder de um órgão (o TCERJ) e passar a competencia subtraida para outro órgão, mas com as mesmas características o que equivale a injetar mais burocracia e mais controles.

Não é difícil constatar que os Tribunais de Contas estão cheios de gente boa e comptente, mas que está presa na armadilha de maus sistemas orçamentários, sistemas de pessoal, sistemas de aquisições, sistemas de gestão financeira, sistemas de informação. Assim, ao lançar a culpa sobre as pessoas e estabelecer a cisão do TCE-RJ verifica-se que estamos perdendo a oportunidade de melhorar os sistemas administrativos existentes. Tão pouco fica revelada a preocupação com a avaliação das políticas públicas.

A cisão pura e simples revela uma preocupação com a divisão de poderes, sem entrar no debate mais relevante que seria a ênfase jurídica na avaliação das políticas públicas, visto que a leitura do seu texto e justificativa revela uma preocupação muito mais voltada para a responsabilização dos governantes e seus auxiliares.

Durante anos e talvez ainda por muito tempo os caminhos do direito e da avaliação, dos juristas e dos administradores, sempre pareceram destinados a não se cruzarem principalmente nos países onde a cultura administrativa dominante tem por matriz o direito público e os juristas constituem parte significativa da elite burocrática. Nestes a avaliação das políticas públicas apresenta um desenvolvimento relativamente lento. A importância conferida à idéia do Estado liberal a partir da legalidade das condutas, levou à “criação de uma teoria das formas jurídicas esvaziada de conteúdo e alheia aos fins da atividade administrativa”

Essa postura atávica contribuiu para que o Estado, excluída qualquer interação com a sociedade civil (MONNIER[i]), olhe menos para os resultados das políticas do que para a blindagem jurídica da sua atividade: “pensar em termos de programas (com objetivos definidos e projetos para seu atingimento esta fora do horizonte de quem se habituou a considerar as leis em principio feitas para a eternidade (….) (DERLIEN[ii]).

O exame histórico da ação dos Tribunais de Contas, embora com algumas honrosas exceções, constitui um bom exemplo dessa situação. Entre nós o ato administrativo (…) desempenha ainda um papel central e é o veiculo normal  do poder público, a ação é organizada por processos jurídicos que finalizam em atos, e não diretamente em função de resultados econômicos, sociais ou outros” (MACHETE[iii]). É certo que no Brasil, no plano da dogmática jurídico-administrativa, encontramos reflexos e esforços no sentido de ultrapassar esta perspectiva, mas sempre tolhidos pela manutenção da legalidade em lugar privilegiado do ato administrativo e cada vez maior enfase é dada às relações jurídicas para não falar dos ritos burocráticos emperradores sempre  com vistas à punição dos culpados.

Ao ler a PEC ficamos com a sensação de que a nova estrutura representará – mais do mesmo – e, neste sentido, deixa de aproveitar a oportunidade para discutir a questão do abandono gradativo do aspecto da legalidade e a ampliação dos estudos sobre a eficiência, eficácia e efetividade das ações dos governos.

Perde-se, portanto, a oportunidade de discutir o excessivo apego ao exame e fiscalização sobre as entradas, os recursos e não sobre as saídas, os resultados. A ser mantida a atual situação significa que o cidadão continuara financiando escolas com base no numero de alunos matriculados e num fatídico percentual da receita de impostos sem qualquer relação com o custo-aluno; a assistência social em função do número de atendimentos e os departamentos de polícia com base nas estimativas próprias de pessoal necessário para combater o crime.

Ocorre que este critério não valoriza os resultados e, em conseqüência, pouco importa como as crianças se saem na escola, ou quantas pessoas finalmente conseguem se empregar e deixar de receber o seguro desemprego, ou em quanto foram baixados os índices de criminalidade.

Na realidade a proposta da PEC mais parece uma cômoda transferência das responsabilidades sob o argumento de que agora sim a coisa vai funcionar. Entretanto, mantido o modelo legalista vigente em breve estaremos às voltas com a mesma questão: escolas, instituições de assistência social e departamentos de policia ganham mais dinheiro do orçamento à medida que fracassam, ou seja, quando as crianças vão mal, o desemprego aumenta e a taxa de criminalidade sobe.

Assim, ao invés de fazer uma cisão do atual Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro talvez fosse interessante que todos os responsáveis refletissem sobre uma observação que certa vez foi feita por John Maynard Keynes de que “a dificuldade reside não tanto em ter novas idéias, mas em escapar das antigas……

 


[i] MONNIER, Eric. Evaluation de l`action des pouvoirs publics, Economica, Paris, 1992.

[ii] DERLIEN, Hans-Ulrich. Genesis and structure of evaluation efforts in comparative perspective. Publishers, NewBrunswick, 1990

[iii] MACHETE, Rui. A administração publica, in Estudos de Direito Público e Ciencia Política, Fundação Oliveira  Martins, Lisboa, 1991.