jump to navigation

Orçamento: entre a austeridade e o pragmatismo. 08/11/2009

Posted by linomartins in Anotações.
comments closed

 Em recente palestra realizada em Teresina, Piauí, recebi uma informação, durante o almoço, sobre a validade dos Tribunais de Contas receberem diretamente as multas aplicadas a seus jurisdicionados. De imediato lembrei-me de uma conversa que tive com uma profissional da Angola, em agosto de 2008 quando da realização do Congresso Brasileiro de Contabilidade, em Gramado, Rio Grande do Sul em que, a referida profissional, informou que naquele país os editais de licitação e de compra são submetidos ao Tribunal de Contas e sobre o valor de tais contratos incide um percentual que reverte para a respectiva Corte de Contas.

 Ao receber tal informação imaginei: então naquele país quanto maiores os preços estimados no edital, maior volume de recursos serão direcionados para o órgão de Controle Externo.

 A resposta que dei ao consulente foi que para essa cobrança direta será preciso a existência de lei autorizativa, sendo informado da existência de tal normativo legal com a alocação direta do produto de arrecadação das multas aplicadas e recolhidas pelos jurisdicionados.

 Independentemente da questão legal este tema revela uma tendência de diversos órgãos ou setores da administração pública de garantir, via segregação de recursos, uma alocação específica das dotações orçamentárias. Isto ocorre em face das cada vez maiores vinculações orçamentárias do tipo Educação e Saúde, Amortização e Juros da Divida e Precatórios,  que acabam estrangulando o fluxo de caixa do Tesouro. Tais vinculações podem ser comparadas ao personagem do jogo denominado PACMAN, vulgo come-come em que basta comer as bolinhas e escapar dos inimigos. Esse monstro já deve beirar os 90% do total do orçamento nos diversos Entes da Federação e a prática mostra que os Poderes Legislativos tendem a aumentá-lo durante as discussões da Lei Orçamentária. Isso significa que no ano fiscal de 2010 esse monstrinho vai engolir uma receita fiscal considerável.

 Se examinarmos a proposta orçamentária da União para 2010 podemos verificar que a economia privada estará entregando ao Governo Federal Cr$ 287,06 bilhões em receitas tributárias para serem consumidas por Brasília e, certamente, pode-se assegurar que o monstrinho “come-come” ainda precise de muito mais para saciar sua fome. Isso mostra que, nos tempos atuais, existe uma falta de credibilidade nos setores do Tesouro e nas áreas de Planejamento Governamental levando os órgãos, de um modo ou de outro, a segregar do bolo arrecadado o seu quinhão como forma de garantia do fluxo financeiro dos recursos e da conseqüente realização dos programas e ações planejadas e programadas.

 Independentemente da questão de jurisdicidade da medida acredita-se que o tema deva merecer estudo e reflexão, inclusive porque existe entendimento de que toda e qualquer multa (obrigação acessória) deva ser apropriada ao orçamento como parcela integrante da receita tributária. O argumento, com a qual não concordamos, é o teor do artigo 113 do Código Tributário Nacional, como a seguir:

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

§ 2º A obrigação acessória decorrente da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.

Este blog crê que, se tais parcelas forem componentes da Receita Tributária, como entendimento de alguns, não poderiam ter destinação imediata face ao principio da não vinculação para a maioria das receitas.

 Essa segregação e destinação de recursos para certos órgãos faz lembrar as sociedades políticas anteriores ao liberalismo em que ocorria uma personalização do Estado com maior ou menor rigor, na figura do príncipe que atuava numa função protetora e de defesa dos membros da coletividade e o exercício ou gozo de um direito próprio e autônomo com um fim em si mesmo. Neste sentido, essa segregação de recursos do Caixa geral, ainda que legalmente feita, pode ensejar uma concepção de que os responsáveis pelo órgão aplicador da penalidade passem a considerar os jurisdicionados como súditos, comprometendo assim a idéia de soberania e incentivando a existência do Estado patrimonialista que todos querem eliminar.

 Neste sentido, é bom lembrar que, no âmbito tributário, existem os Conselhos de Contribuintes com representação paritária cujo objetivo e dar a garantia da ampla defesa em relação aos litígios instalados pelos representantes do Estado. A prevalecer a idéia de cobrança direta talvez fosse interessante submeter os eventuais litigios a algum órgão externo do tipo Conselho de Jurisdicionados com representantes do órgão lançador e dos pretensos devedores.

 Assim, a questão é bastante polêmica principalmente em face do artigo Art. 56 da Lei 4.320/64, que estabelece:

 Art. 56. O recolhimento de tôdas as receitas far-se-á em estrita observância ao princípio de unidade de tesouraria, vedada qualquer fragmentação para criação de caixas especiais.

Os argumentos a favor da cobrança direta das multas aplicadas aos jurisdicionados é que se trata de uma cobrança administrativa e, portanto, não tem natureza tributária e tem o objetivo de gerar recursos a serem utilizados em programas de reestruturação e Fundo de Reaparelhamento e Modernização são todos válidos, principalmente pelo centralismo excessivo, tanto da área financeira, como pela distorção encontrada em diversas áreas de Planejamento tendentes a achar que os demais setores do governo não sabem planejar.

 Entretanto, este blog não pode deixar de considerar a existencia de argumentos contrários como, por exemplo, o que aponta os termos do artigo 56 da Lei 4.320/64 segundo o qual todo dinheiro arrecadado  deveria ser destinado a uma tesouraria central do ente federativo e não a um órgão especifico. Outro argumento contrário seria um eventual conflito de interesses tendo em vista que os agentes da fiscalização serão direta ou indiretamente beneficiados em função das penalidades que aplicarem e, principalmente, serão os responsáveis pelo julgamento dos recursos apresentados.

 A OCDE define como “conflito de interesse” o conflito entre o dever público e o interesse privado de um servidor/ empregado público, no qual o servidor tenha um interesse privado que possa influenciar, indevidamente, o desempenho de seus deveres e responsabilidades oficiais.

 Por outro lado, entre as conceituações de Controle temos a relativa às Atividades  de Controle que auxiliam na gestão de riscos por meio da integração dos controles por intermédio de dois focos: (a) na gestão administrativa da entidade e (b) na própria ação controladora, conforme a seguir definido:

a)      Com foco na gestão administrativa da entidade

O foco na gestão administrativa refere-se aos elementos da Entidade e consequentemente indica a forma como as pessoas (sujeitos) atuam sobre os bens e meios econômicos (patrimônio) na prática dos atos de gestão (operações) com o objetivo de harmonizar os diversos grupos de interesse (consumidores, empregados, investidores e o Estado) e estabelecer as ligações entre todos estes elementos (hierarquia) para definir a linha de subordinação dos órgãos executivos aos diretivos e destes aos deliberativos.

 b)      Com foco na própria ação controladora

Sob este foco o controle envolve questões referentes à responsabilidade das pessoas e tem entre seus aspectos a Segregação de funções que trata da distribuição da autoridade e responsabilidade pelo processamento das operações, levando sempre em conta que as funções contábeis são incompatíveis com as funções operacionais e de custodia de bens.

 Sobre a segregação de funções recomenda-se a leitura de interessante artigo de Elio Gaspari publicado em O Globo de 04/05/2008  em que transcreve o que denomina regra de ouro do corpo técnico do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, ou seja:

– Quem seleciona não analisa

– Quem analisa não aprova

– Quem aprova não contrata

– Quem contrata não libera.

 Ao tratar do tema este blog não tem o intuito de entrar no mérito da destinação especifica para os órgãos responsáveis pela aplicação de penalidades, principalmente, quando se referirem ao exercício do poder de polícia, mas não pode deixar de perguntar por que não aplicar o mesmo procedimento para todas as demais áreas e, principalmente, retornar com o conceito de ingresso extra-orçamentária para convênios relativos a repasses de recursos destinados à realização de ações de outras esferas de governo.